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Desemprego: ferramenta de subjugação popular

  • Foto do escritor: Minha Cesta
    Minha Cesta
  • 2 de mai. de 2023
  • 6 min de leitura

Atualizado: 3 de mai. de 2023


Empresas que doam podem receber benefícios fiscais

por Anna Prêta em 28/03/2023


O que a ideia de uma "nova revolução industrial" diz à Humanidade a respeito da sociedade ocidental? Talvez a própria ideia de revoluções industriais cíclicas tenha sido utilizada (equivocadamente) como causa de humanidade.


Marilena Chauí define "humanidade" como a capacidade de criar Cultura (do latim colere — "cuidar"), o que se faz realizando ações de modo diligente (trabalho) e com o fim de fixar, nas rotinas de um povo, os cuidados necessários à continuidade e atualização de sua própria Humanidade. Assim, da dança à agricultura, da música à puericultura, tudo isso é trabalho, engendra cultura e promove humanidade. Logo, indígenas trabalham; quilombolas, idem. Não trabalha quem vive de explorar outrem.


Quando foi que desemprego virou sinônimo de não-liberdade, de escravidão, de não-humanidade? A professora Gisele Leite, em seu artigo, informa que a frase Arbeit marcht frei ("O trabalho liberta") fermentou na literatura alemã antes de figurar na entrada dos campos de concentração para ilustrar a ideia de que o trabalho seria causa de dignidade e não o contrário. É o trabalho-redentor nazista, que vampiriza e extermina.


Dizer que o trabalho liberta é sugerir que nascemos em escravidão. No pensamento escravista, o trabalho deixa de sustentar cuidado/cultura para assumir uma função messiânica. Antes de acontecer na Alemanha, aconteceu (e ainda acontece) no Brasil, devido a um processo contínuo e reiterado de reacomodação das forças que lucravam com a escravidão a partir da transição da Monarquia para a República, como elucida o professor Marcos Napolitano, em sua obra História do Brasil República. Surgem o emprego e desemprego no Brasil.


Com a pressão inglesa para que a abolição criasse um mercado consumidor assalariado, o trabalho remunerado foi reservado para imigrantes europeus e a população negra foi proibida por lei de possuir terras e acessar serviços básicos como Educação. Já na década de 1830, começam os esforços para institucionalizar o holocausto negro no Brasil.


O elo entre nazismo alemão, fascismo italiano e republicanismo militar brasileiro é o racismo. O jornalista João Fellet, em artigo publicado na BBC News Brasil, relata que, "o Brasil rejeitou ao menos 16 mil pedidos de visto feitos por judeus que fugiam do Holocausto ou tentavam reconstruir suas vidas após a Segunda Guerra", definidos pelo ministro da época como "assaz (muito) perniciosos", "(…) nada produzindo de útil".


A partir do fim da Segunda Guerra, a Indústria Farmacêutica passa a nortear as pesquisas em Saúde. No livro "High Hitler: Como o uso de drogas pelo führer e pelos nazistas ditou o ritmo do Terceiro Reich", o o jornalista alemão Norman Öhler evidencia como aquela indústria foi uma engrenagem fundamental do Nazismo, produzindo metanfetaminas que foram usadas para colocar a população e o próprio führer em estado de constante transe farmacológico e lavagem cerebral, tornando possível o engajamento alucinado de milhões de pessoas em atos de extermínio dos que "nada produzem de útil".


O mesmo pensamento é visto no Brasil associado à ideia de que pessoas desempregadas devem ser submetidas à exploração do trabalho para que se tornem livres e/ou dignas (um contrassenso por si só).


Quem resiste a esse tipo de manejo costuma sofrer intervenções psiquiátricas em clínicas ou comunidades terapêuticas que adotam métodos assustadoramente similares aos dos nazistas nos campos de concentração, como nos informam Claudia Cristina Macceo Sato e Maurício Reinert do Nascimento, em seu estudo intitulado "Indústria farmacêutica e saúde mental: a construção social do mercado de medicamentos psicotrópicos".


Em artigo publicado na Cambridge University Press, dois autores investigam como o fascismo se desenhou enquanto processo transnacional já no período de 1918 a 1945, fazendo com que historiadores considerem-no cada vez mais como um fenômeno que se expandiu violentamente pelo mundo por processos de transferência, inspiração mútua, hibridização, interação, entrelaçamento e intercâmbios além-fronteiras.


Um dos exemplos desse entrelaçamento entre racismo, desemprego e ciência acadêmica foi o experimento de Tuskegee (uma cidade quase que exclusivamente negra e desempregada), iniciado em 1932 quando o Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos decidiu que "400 homens negros com sífilis seriam mantidos sem tratamento", informação contrária à que o mesmo serviço lhes forneceu, como nos informa Luis Teixeira em seu artigo "Tuskegee: Uma história americana. E de racismo", para o Observador. O programa só acabou em 1972 devido à opinião pública escandalizada.


No ano de 2019, o documentário Cold Case Hammarskjöld foi premiado no Sundance Film Festival ao revelar, com o depoimento em câmera de um dos agentes do projeto, que os testes de vacina contra a AIDS levados a cabo na África do Sul na década de 1980 eram sabidamente falsos. As seringas continham o vírus ativo da AIDS, que deveria ser inoculado no máximo de pessoas possível com a finalidade de promover um genocídio que abrisse as portas para a dominação do território africano pelas nações que financiavam o "estudo".


Em dezembro de 2020, foi publicado no The New England Journal of Medicine o resultado de uma pesquisa que revela um "viés racial na medição da oximetria de pulso". O estudo traz a explicação de que, como a medição é feita lançando um feixe de luz através da pele que interage com as células e mede o nível de oxigenação, quanto mais melanina na pele, maior a taxa de erro da medição - chegando a até 4 vezes mais.


Nas orientações sobre intubação orotraqueal em pacientes com Covid-19, o Ministério da Saúde orienta que, caso a pessoa esteja com oxigenação abaixo de 90% (10% abaixo dos 100%), seja realizada a intubação e administração de fármacos. O erro de medição do oxímetro em pessoas brancas pode chegar a 3,6%. Em pessoas pretas, pode chegar a 12%. Em junho de 2020, a CNN divulgou a notícia segundo a qual a chance de uma pessoa preta morrer de COVID 19 era então 38% maior do que uma pessoa branca.


Em 2021, a CPI da COVID revelou o escândalo da Prevent Sênior, acusada de alterar prontuários médicos para maquiar mortes por covid-19, realizar pesquisa médica sem consentimento de pacientes e distribuir medicamentos sem eficácia comprovada para tratamento da doença. Em depoimentos à CPI da COVID, parentes relataram mortes de entes queridos intubados sem necessidade. No capitalismo, a inaptidão ao trabalho deve gerar lucro.


Em maio de 2022, estudantes de uma universidade em Santa Catarina rabiscaram o símbolo da suástica nazista em um banheiro, acompanhada do código 1488. No contexto nazista, "O número tem como mensagem a frase 'devemos assegurar a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas’", informa-nos Fernanda Silva em seu artigo para o portal nd+.


Nunca ficou tão evidente quanto agora que o racismo é o fio-condutor que alinha imperialismo, nazismo e bolsonarismo através do desemprego (mesmo que por motivo de doença). O projeto de escravidão e extermínio dos povos não-brancos vem sendo reinventado a cada revolução industrial, alijando corpos "indesejados" do processo civilizatório, da Cultura, dos processos produtivos que promovem remuneração digna.


Nesse cenário, o desemprego constitui a reserva de mão-de-obra a ser explorada e ter suas habilidades e conhecimentos expropriados na próxima revolução industrial, que transformará para sempre a vida na civilização branca. Afinal de contas, "a economia não pode parar".


Não há embargo comercial total e permanente dos EUA contra povos comunistas brancos. O desemprego é um lugar reservado a pessoas não brancas e, historicamente, é seguido de ciclos de prosperidade estruturados sobre a escravidão que se transforma em emprego à medida que se branqueia a etnia da classe trabalhadora.


O desmonte das políticas públicas de saúde mental durante os governos Temer e Bolsonaro revela que a saúde mental de qualidade foi pensada para quem dispõe de recursos financeiros para acessá-las. O atendimento de qualidade dos consultórios particulares tem ficado cada vez mais distante da classe trabalhadora, cujo trabalho vem sendo novamente precarizado na revolução das inteligências artificiais.


Ao mesmo tempo, o racismo vai sendo inoculado nos algoritmos industriais: os erros de reconhecimento facial vão se tornando cada vez mais frequentes e revelam a incorporação do viés racista que leva à inclusão de fotos de qualquer pessoa preta "de aparência suspeita" nos catálogos de reconhecimento facial das delegacias, ainda que não tenham cometido qualquer crime.


No país em que estar em situação de desemprego e residir em determinado CEP pode significar a diferença entre liberdade e encarceramento, vida e morte, o desemprego vai se revelando cada vez mais uma forma de triagem naturalizada para encaminhar novamente populações não-brancas para a condição de vulnerabilidade que a impelirá a procurar formas de sobreviver que possam ser mostradas nos noticiários durante as refeições como a justificativa para execuções sumárias no genocídio disfarçado de guerra às drogas ou "à bandidagem" que, curiosamente, é sempre diferente da bandidagem de pele branca.


Recentemente, a aluna de uma universidade que roubou centenas de milhares de reais da comissão de formatura teve a sua prisão dispensada pelo mesmo juiz que manteve a de uma mulher preta por furto de chocolates em uma loja. Ambas eram desempregadas, mas a segunda era preta.


Já há armas montadas sobre cães-robôs sendo acionadas remotamente: os "erros de reconhecimento" e a força letal que têm levado policiais a executarem pessoas pretas agora fazem parte das tecnologias de reconhecimento facial e dos novos dispositivos de segurança que se pretendem (tal qual a Ciência do Século XX) neutras.


Se continuarmos seguindo o rumo acima, em breve o desemprego deixará de ser uma possibilidade e passará a ser a condição naturalizada de pessoas que não detêm qualquer meio de produção industrial. Teoria da conspiração? Espero que sim, mas como disse o pai do cantor Djonga para o próprio: "parece cobra, rasteja como cobra, você precisa que te morda pra acreditar que é uma cobra?".

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